Interculturalidade e Religião na Escola



É comum se aproveitar de datas comemorativas nos ambientes escolares, a Páscoa é uma delas.
Uma questão que às vezes pode intrigar um professor ou até mesmo fazer com que ele deixe o momento de lado, é o fato que o ambiente escolar é multicultural.
Vamos falar sobre isso?



Considerando a necessidade de uma prática pedagógica que abrace a diversidade em sala de aula em todos seus aspectos, pode-se pensar que seja melhor abandonar/ignorar uma data comemorativa como essa. Sabe-se de todo significado religioso da páscoa, não só para o cristianismo mas também as demais religiões abraâmicas – não vamos discorrer sobre isso. O propósito desse meu post é aproveitar o momento de páscoa para refletir um pouco sobre a problemática religiosa em sala de aula, perpassando o conceito de multi e interculturalismo.
Diante da situação descrita, podemos nos perguntar: É uma atitude plausível o abandono de uma data comemorativa, de cunho religioso, com o objetivo de abraçar as diferenças? Na verdade, a questão por si só mostra uma contradição: Abraçar e abandonar. A visão que temos de educação nos impede de tomar essa atitude. A religião está presente na realidade dos estudantes, a páscoa é uma tradição religiosa presente na realidade dos estudantes.

O ambiente escolar é, e deve se manter, multicultural. Por multicultural quero dizer que há um universo de identidades plurais e únicas, cada uma trazendo “de fora” culturas diferentes, tradições diferentes, percepções de mundo diferentes. À primeira vista, podemos cair no erro de considerar que uma simples educação multicultural “resolve” a problemática. E não resolve. Reconhecer que existe esse universo de identidades plurais não produz o efeito pedagógico que queremos. A sociedade também reconhece seu multiculturalismo, e mesmo assim a intolerância religiosa persiste. Isso é bastante abordado por Canen (2000), que em seu artigo escreve que muitas vezes tratamos a pluralidade cultural por um viés psicológico, e não social.

Para ilustrar melhor, e usando do momento, vamos pensar numa escola que crie um projeto sobre a páscoa, e certo estudante levanta o seguinte questionamento: “Professor, sou de uma religião de matriz africana que não tem a Páscoa como celebração. O que faço no projeto?”. O professor, com uma visão de educação multicultural que reconhece as diferenças, toma atitude de conversar com os estudantes sobre o respeito às diversas religiões e ao estudante específico aconselha colaborar em atividades que não façam alusão ao cristianismo. A problemática social continua e foi enfatizada ao passo que a religião africana foi tratada como uma “outra cultura” que deve ser respeitada.

O maior desafio do educador-mediador é romper com essa ideia de apenas respeitar as identidades, o que na prática também é um abandono. Nesse contexto surge a ideia de multiculturalismo interativo (CANDAU, 2012), que prefiro chamar de interculturalismo. No multiculturalismo interativo, como a própria expressão diz, as identidades culturais plurais são igualmente ativas e se interagem. Esse desafio requer que estejamos prontos a perceber as diferenças e dar aos seus autores, com igualdade, voz ativa em sala de aula. Você como educador-mediador não precisa conhecer sobre todas religiões do mundo, mas precisa conhecer todos estudantes da sua sala de aula.

Daí voltamos a questão: E a páscoa? O cristianismo é a religião claramente mais aceita na sociedade. E essa aceitação ao cristianismo se junta ao fenômeno de representação religiosa: Os cristãos são sempre mais representados em diversos meios inclusive no currículo escolar. Isso talvez não seja novidade para você… mas talvez seja para o estudante. A problemática escolar da páscoa, do Natal, e quaisquer outras datas comemorativas religiosas se resolve na própria problemática. Questões simples como: “Por que páscoa está tão presente nas mídias, e o lorogun não?”, são pontos de partida para uma prática pedagógica intercultural. E depois de lançar discussões sobre isso entre os estudantes, por livre interesse deles o educador pode sim usar a religião como elemento de ensino interdisciplinar. Portanto, não vejo problema em abordar sobre essas datas religiosas no ambiente escolar. O problema está em dois extremos: Por um lado, a abordagem que se conforma com a realidade social que oprime religiões minoritárias, no máximo pregando "respeito" mas sem a perspectiva crítica, o que reforça a educação tradicional... e por outro lado o total abandono dessa realidade social, que faz do ambiente escolar um ambiente sem diversidade, desconexa com a realidade dos estudantes, que também reforça a educação tradicional. Vejo como mais interessante a abordagem que reconhece a realidade e faz uma crítica a ela, dando igual autonomia e empoderamento aos estudantes com suas diferentes identidades.

Os elementos da páscoa podem ser muito bem explorados em perspectiva interdisciplinar. Pode-se falar de História, Geografia, Artes, Biologia, Geometria, etc. A partir da discussão proposta anteriormente, há quem questione porque na tradição um coelho bota ovo... e uma questão como essa já pode dar inicio a abordagem de conteúdos de diversas áreas do conhecimento. Portanto, cumprindo o desafio de mediar uma educação intercultural, o educador também favorece uma educação interdisciplinar. Não há razão para deixar questões em aberto, assim como não há razões para fechar estritamente qualquer questão. Deixe que os estudantes explorem tudo que desejarem explorar.

Em suma, não ignore as problemáticas, seja de religião, seja de cor e etnia, seja de gênero e sexualidade ou qualquer outra. O melhor caminho é encarar essas problemáticas junto com os estudantes.


Ademais, enquanto cristão para cristãos, desejo uma feliz páscoa a todos!



CANEN, A., (2000). Educação multicultural, identidade nacional e pluralidade cultural: tensões e implicações curriculares. Cadernos de Pesquisa, n. 111, p. 135-150
CANDAU, V. (2012), Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educação e Sociedade, vol. 33.
INCONTRI, D., BIGHETO, C., (2010). Ensino inter-religioso: teoria e práticas. Ensino Religioso: memória e perspectivas, v. 1, p. 47-55, Curitiba, 2005.

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