De Martin a Jair: A onda "pela família" e bolsonarismo

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A história se repete. A partir de uma polarização imaginária, cria-se uma polarização real. A partir de notícias falsas, cria-se notícias horrorosas de ataque à pluralidade social, à democracia, à justiça.
((leia a primeira parte aqui))

Vimos no Brasil o inverso que vimos na América: aqui, a revolta era ao lado dos opressores, baseados em inverdades, contra os oprimidos, embora como qualquer outra revolta ela tenha uma intenção de reverter a ordem vigente. O resultado foi o contrário, a ordem vigente ficou mais forte, as injustiças ficaram ainda mais evidentes, e só começamos a corrigir elas no final do regime, no período de redemocratização (se é que a mesma de fato ocorreu).

Havia grandes injustiças sociais antes do golpe [civil-militar]. E depois do golpe. E onde estava as denominações protestantes? Será que houve aqui algum “imitador de Jesus” como houve nos EUA? Ou “imitadores de fariseus”, qua fazem aliança com os governantes com desculpa de conservar uma moral utópica na sociedade?

A “revista Mnemosine” (da pós-graduação em em História da UFCG) publicou em 2014 uma edição no mínimo interessante, intitulada: “Protestantismo e regime militar no Brasil: Perspectivas”. Ela apresenta, como o título sugere, diversas perspectivas sobre a atuação dos protestantes no regime militar. Baseado no mesmo, temos a surpresa (ou não) de ver que os cristãos foram peça essencial na instauração do regime militar.

O slogan adorado pelas denominações protestantes era “Deus Salve a Pátria”. Esse slogan foi criado pela Convenção Batista Brasileira, justamente a denominação que mais prega sobre laicidade na história protestante. Apesar de na teoria pregarem a tal laicidade, na prática não a defendiam. E apesar de na teoria pregarem o amor, a justiça e a paz, na prática tomavam caminho inverso. Com esse slogan, diversos movimentos saíram nas ruas contra as fake news, os boatos que na mente dos fundamentalistas eram verdades causadoras de todo caos.

Tudo toma dimensão maior na conhecida “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Que na verdade, era um movimento com protestos em diversas regiões do país. Marchas parecidas a essa, e com nome parecido, novamente estouraram depois de 2013. Os protestantes, tanto naquele tempo como agora, têm em mente que algo está ameaçando a “família tradicional brasileira”. Não percebem que o que ameaça a constituição da família é na verdade essa polarização constante, que oprime as minorias e as próprias diferenças dentro das famílias. Nessa época inclusive, estava se levantando metodologias diferenciadas de educação que demonstrava resultados – entre os educadores pioneiros dessa nova era é Paulo Freire, novamente atacado pelos “defensores da família”, que por algum motivo acham que uma educação melhor destrói a base deles.

Vamos mais adiante: E durante o regime? Onde estava os protestantes?
Bem, nas igrejas. Não se ouvia clamores em nenhum canto pedindo por democracia. A liberdade de expressão censurada e o voto indireto para presidência não era algo ameaçador. A alfabetização freiriana que era.
O professor Paul Freston, especialista em religião e política, em seu artigo “Protestantismo e Democracia no Brasil”, destaca que ocorreu no Brasil o mesmo que ocorria na África: Os protestantes não protestavam contra os regimes totalitários… os católicos sim.
O catolicismo desde o final do regime militar tem tido papel importante na democracia do Brasil. Os protestantes, por outro lado, têm tido um papel ameaçador à democracia. A única denominação protestante no Brasil a contestar a repressão antidemocrática foi a Luterana. Paul diz que isso se deve à internacionalização. Ao passo que outras denominações eram distantes de seu âmbito internacional, a igreja católica e luterana eram próximas à toda sua abrangência mundial. Posso acrescentar que de tal maneira não se havia “patriotismo” exacerbado que olhava mais a bandeira que a população. As igrejas católicas e luteranas eram mais “multiclassistas”, recebiam pessoas em todo mundo de diversas ordens sociais, e dessa forma percebiam melhor as realidades sociais e repudiavam as realidades opressoras – que era o caso do Brasil.

Enquanto isso… batistas, metodistas, presbiterianos, se silenciavam. Poucos líderes se manifestavam contra as práticas repressivas, e estes, eram reprimidos pelos demais líderes.

A história se repete.
A partir de uma polarização imaginária, cria-se uma polarização real. A partir de notícias falsas, cria-se notícias horrorosas de ataque à pluralidade social, à democracia, à justiça.

É de se lamentar ver que talvez tenhamos um presidente com discursos de ódio, com discursos de intolerância à tudo que é diferente do seu padrão imaginário.

As denominações protestantes brasileiras se isolaram do mundo e não percebem a realidade que vivem. Ignoram a história da América Latina, ignoram os contextos sociais em que crescem os jovens negros e que desejam indiretamente matar, ignoram as centenas de gays mortos todo ano só por serem gays – e fantasiam que lutar contra isso é uma tal de ideologia de gênero, ignoram o sofrimento das mulheres mortas por violência doméstica só por serem mulheres (e tidas então, culturalmente como inferiores)… ignoram todas as injustiças históricas e culturais.

Em países democraticamente mais desenvolvidos, os protestantes se tornam pioneiros em diversas questões relacionadas aos direitos humanos, inclusive de minorias. As bancadas protestantes nas diversas câmaras contribuem em defesa da justiça, do amor e da paz, enquanto no Brasil representa o que há de pior em termos de respeito e representação. Por que será?

O foco tornou-se o "ganhar almas para Cristo" (como se isso fosse possível), e para que isso aconteça é necessário focar no país e impor sua moral utópica a ele. Temos uma população pobre disposta a tudo para "crescer" na vida, e os líderes religiosos lhe retira uma das poucas coisas que resta: a fé. Com boa ou má intenção, consciente ou não, isso é fato. E é fato também que há megaigrejas que fizeram de suas organizações sociais empresas de sucesso, e nisso não há como negar a distorção consciente e de má fé do evangelho. São essas megaigrejas que detém partidos inteiros, e assim como os fariseus e os bispos medievais, fazem de tudo para alcançar o poder político, que é interessantíssimo para favorecer seus diversos mercados.
Outro ponto relevante a se pensar é no próprio processo histórico de cristianização do país. Nós não somos de um país evangelizado, somos de um país cristianizado. Cristianizar é o processo de passar a considerar cristão, queira ou não. Evangelizar, no sentido mais 'puro' da palavra, é incentivar às práticas esperadas pelo evangelho,A invasão dos portugueses impondo a catequese aos "nossos" povos nativos não era um processo legítimo de evangelização. Logo, temos uma cultura religiosa que desde o princípio agiu pela força e pela política, com um proselitismo descabido que desrespeita as diferenças em favor do padrão imaginário.

Em toda bíblia, a luta foi em favor das minorias. Foi da libertação dos oprimidos pelo Egito, dos oprimidos por Roma, dos oprimidos em diversos contextos. Em todos esses contextos, havia os religiosos que usavam a Lei, a Política e a Moral como fossem empecilhos para liberdade. Havia quem talvez dizesse a Jesus: jogue pedra nessa prostituta, pois prostituição ameaça nossa família tradicional. Havia talvez quem dissesse a Jesus: não cure essa pessoa, hoje é sábado, não descumpra nossa moral para fazer o bem ao próximo. Havia fariseus. Havia espécies de bolsominions.

Como cristãos, cabe a nós escolhermos para que lado a revolta vai se voltar. Sermos como Luther King que era como Cristo, ou sermos como Jair, protótipo de anticristo, que com cara de religiosidade professa mentiras para ter poder e enganar a todos e com seus discursos é “homicida desde o início e nunca se firmou na verdade”.

Termino esse post com um texto do maestro Erlon Rodrigues, publicado em seu perfil no Facebook:

Não importa se Bolsonaro ganhe ou não, nem se ele vai por em prática o que promete caso seja eleito. O estrago já está feito. Ele conseguiu fazer com que muita gente repensasse sobre o Evangelho. Fez pessoas elaborarem novas teologias na tentativa de tornar o discurso do candidato compatível ao do Evangelho. Fez pessoas deturparem os ensinos de Jesus para encaixa-los aos de Bolsonaro. Reforçou o falso cristo criado por religiosos, um cristo imperialista e moralista. Deu uma forte contribuição aos discursos dos coronéis da fé. Amplificou o ‘sabor de mel’ da vingança em nome de Deus. Gerou fanatismos cegos e endeusamento. E por fim, tornou os ‘cristãos’ mais arrogantes e convictos de possuírem o monopólio de Deus. Talvez tenha sido um empurrão definitivo para a apostasia no Brasil.

O candidato que hoje é ídolo dos nazistas e também dos cristãos em si nunca me colocou medo, ao menos conseguiria governar bem. O que me dá medo é a onda reacionária moralista que se agitaria com sua eleição. Pois é, não precisou ser eleito. O estrago já foi feito, a onda já está super agitada, o cristianismo brasileiro altamente corrompido, a mentira tomou lugar da verdade, a injustiça da justiça, as armas da paz, o ódio do amor, a morte da vida.

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